quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O salto do peixe

    É fato que minhas histórias seguem algumas mesmas linhas, portanto, iniciarei esta de um lugar em que estou todos os dias. Um lugar de profunda reflexão, refúgio e acalanto. O ônibus, como na crônica "Pra que tanta ganância Juvenal?".
    Tratava-se de um daqueles "dias comuns" e eu estava eu indo pra faculdade, passando pela rodovia BR - 101, essa testemunha do caos que corta quase o Brasil por inteiro. Mas, estou tratando especificamente do trecho entre São Gonçalo e Niterói, que é margeado pela velha conhecida Baía de Guanabara.
    Coitada da baía, alvo de tantos ataques! Objeto de tão intenso repúdio e nojo, depósito de lixos e nichos, núcleo central de emanação de odores repugnantes! O que mais dizer da baía? E o que dizer dos que tornaram o objeto de mais pura admiração dos portugueses - que em 1502 chegaram nas deslumbrantes águas azuis da antiga baía confundida com um rio pensando que esta era uma foz - em uma fossa gigantesca, cheia de línguas negras e lama podre? Esses tais que a tornaram assim, deixaram um legado para todos nós, um legado que nós aceitamos, corolariamos e perpetuamos, a ponto de passarmos todos os dias em suas margens, e não refletirmos sobre a cena horrível ao nosso lado só porque queremos chegar a tempo no trabalho. Garças solitárias pisando em ovos no meio do lixo, e o pensamento que vem à mente é; "Coitada, vai comer o que?!" Pois era justamente neste ponto que eu queria chegar.
    O ônibus estava preso num trivial engarrafamento e eu me pus a observar a baía. O dia era até de sol, e eu estava com essa sensação de bolo na garganta, olhando-a com esse olhar de compaixão de quem vê um pobre miserável mendigando comida, como se este fosse a baía mendigando vida! Vida... quem nunca teve a sensação de que a Baía de Guanabara é sinônimo de morte? Pois bem, olhando fixamente para um pneu que jazia no meio de uma área já um pouco alagada, um pouco adiante de sua maré sempre atrasada e rasa, eu comecei a enxergar aquele objeto boiando como um câncer no meio de um corpo saudável. Algo sintético que poluía a beleza e a poética do natural. Por um momento, "infantilmente", imaginei um grande e colossal monstro feito de pneus que defecava lixo, suava esgoto e vomitava óleo na baía, que chorava e lacrimejava sangue. Que coisa horrorosa! Que sensação de descrença e que descompensação pelo estado deplorável de não-vida da baía.
    O dia de sol com raios alegres de luz não combinava com a tenebrosa e negra epifania que eu estava tendo naquele momento. Mas acho que se o dia estivesse nublado e melancólico, eu teria morrido de terror! Um calafrio me subia a espinha, e eu trêmulo, não conseguia tirar meus olhos da baía, e do pneu. Foi quando de repente, algo curioso aconteceu..
    Um peixe! UM LINDO E BRILHANTE peixe, grande! Não sei dizer qual peixe era, afinal me falta perícia em tais assuntos. Mas é certo que o peixe era grande, comprido como uma flecha e brilhante como um diamante. Ele deu um salto tão alto e bonito, que me deixou estarrecido! E eu fiquei a pensar; como é possível um peixe lindo e brilhante como esse, conseguir viver na baía? Como consegue morar nessas águas negras e contaminadas? Como suas guelras filtram essa podridão e como ainda por cima consegue encontrar alimento? Peraí, se o peixe encontra alimento, é porque esse mesmo alimento também consegue outro alimento, e assim por diante. Será mesmo que eu estava enganado quanto à baía? Acredito que sim. E sua aparência mórbida, acaba sendo "apenas" aparência, afinal de contas.
    Quanta vida ainda há, onde não queremos mais enxergá-la?

Nenhum comentário:

Postar um comentário