quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O Segredo da Sabedoria

    Eu não aguentava mais tanto silêncio. Já tinha acordado há tempos, e todo mundo em minha casa ainda dormia. Até meu pai que acordava cedo. Era assim todo dia, mas naquele dia estava demais. Já passava das cinco e meia da manhã e nada! O povo da minha aldeia acordava muito cedo. Todos levantavam ao ouvir o soar da trombeta ancestral. Tocada por um dos homens mais velhos da aldeia, o senhor Benedictus. Dizia a lenda que ele quando jovem, lutara na Primeira Grande Guerra e numa certa feita, sendo ele soldado de primeira classe, ficara responsável pela segurança de um cofre que continha muitos documentos sigilosos do nosso país que se caíssem nas mãos do inimigo, toda a nação estaria arruinada. Seus amigos queriam ir farrear aproveitando a trégua. Ele recusou ir festejar. O convescote seria numa taverna da aldeia vizinha. Ele lhes disse que eles podiam ir aproveitando a ausência dos superiores e ficar a noite inteira pois ele ficaria de guarda. Seus amigos foram farrear, confiando a segurança do cofre somente a ele, pois era um bom soldado; forte, valente e um sentinela que “nunca dormia”. Certa hora da madrugada o sono o venceu, e neste momento, exatamente neste momento, um espião que vigiava o acampamento de longe roubou o cofre. Ele e seus amigos foram punidos e expulsos da corporação. Desde então, dizia-se que ele não dormia e ficava atônito a esperar logo o dia começar a amanhecer para que as pessoas acordassem logo. De fato nunca o vi dormir. Ele andava sempre com a trombeta feita de chifre de carneiro que rezava uma outra lenda, tinha pertencido ao primeiro homem que tinha chegado ao lugar onde ficava nossa Aldeia.
    É bem verdade que tudo e todos em nossa Aldeia tinham uma lenda, ou uma história fantasiosa ou não, que explicava nossa maneira de existir individualmente e que nos ajudava a consolidar nossa coletividade. Contava-se o relato que este homem era um pastor de ovelhas que distanciando-se demais do seu local de pastoreio procurando uma ovelha desgarrada, não achou o caminho de volta. Ficou desolado e triste por um tempo pois se perdeu da sua comitiva. Diz a história que este homem, cuja procedência nunca foi sabida, conhecido apenas por “Cláreo”, avistou em cima da montanha, cuja nossa Aldeia fica no pé, a ovelha que estava procurando. Começou a subir a montanha atrás do pobre animal. Quando já estava um pouco no alto, avistou sua comitiva de longe. Naquele instante ele ficou dividido entre descer o que já tinha subido e ir atrás da sua comitiva deixando a ovelha perecer na montanha ou ir ao encontro do indefeso animal e o salvar. Pensando então, ele concluiu que seria mais justo salvar o animal, pois o mesmo não poderia sobreviver sozinho num ambiente tão hostil. Planejou logo após salvá-la, pernoitar ao pé da montanha e no outro dia iniciar sua jornada atrás da comitiva. Diz a história que quanto mais ele subia, mais a ovelha subia também, parecendo querer o levar ao cume do monte. Ele não desistiu, continuou a subir mesmo muito cansado e sem entender o propósito de tudo aquilo. Chegando ao cume do monte ele pegou a ovelha e quando estava prestes a começar a descida algo o chamou a atenção. Diz-se apenas que ele se virou para trás e ali naquele momento se tornou sábio. E edificou naquele lugar uma pequenina casa e selou dentro dela o segredo da sabedoria. Era uma velha “lorota” contada em nossa Aldeia. Eu escutava isso desde a meninice. Era o tipo de história que quando se começa a contar, quase se dorme pois todos já estão cansados de ouvir. Pra mim essa história era pura cannabice e a tal casinha, se existisse ou existiu, talvez fosse apenas um abrigozinho feito há muitos anos atrás por algum grupo de caçadores ou alpinistas que já não estava mais de pé por causa do vento ou sei lá! Mas, como disse há pouco, tudo em nossa Aldeia tinha uma explicação lógica, elucidada através destas histórias fantasiosas que apesar de banais, nos eram familiares. Esta mesma história se entrelaçava com outras e formava a grande teia de explicação das coisas da Aldeia da Luz.
    O motivo pelo qual todos acordavam cedo era o culto litúrgico de apreciação do nascer do sol. Era costume da nossa aldeia que todos acordassem para ver o sol nascer juntos. E esse costume era levado tão a sério que dizia-se que se toda a aldeia não estivesse junta olhando para o céu na hora que o sol começa a nascer, ele não sairia de trás das montanhas e nunca mais nasceria. Bom, eu sabia que o sol sempre nascia, independente se haviam pessoas olhando ou não, mas, nunca ousei contrariar os costumes e crenças da aldeia, pois estava inserido naquele contexto, eu era parte daquilo. Seria como negar a mim mesmo. E naquela manhã, eu (apesar de “ter” certeza que o sol nasceria) estava preocupado com minha família porque todos ainda dormiam e o azul marinho do céu estava ficando cada vez mais claro. Foi até que tive que recorrer a um recurso extremo. Concluí que meus pais ainda dormiam pois de alguma forma estranha não estavam ouvindo a trombeta ancestral do senhor Benedictus. Então, fui até ele interrompendo um de seus longos toques puxando um de seus braços, tirando a trombeta da sua boca provocando um momentâneo mau-humor nele que fez uma cara de irritação e espanto como quem dizia; “Nunca ninguém interrompeu um de meus toques na minha trombeta, como ousa fazer isso?”, mas a feição logo se transformou serena tal como era e me perguntou;

 - Posso ajudar Lucius?

- Sim Sr. Benedictus. Já passa das cinco e vinte da manhã e meus pais não acordam para ver o sol, penso que se talvez o senhor fosse em minha casa tocar a trombeta eles poderiam ouvir melhor.

    Essa era uma das práticas em nossos códigos de conduta. Nunca, a não ser em caso de emergência, uma pessoa poderia ser acordada por outra. Se não levantassem por conta própria, somente a trombeta ancestral poderia acordá-los. Mesmo em casos extremos em que precisássemos acordar alguém de seu sono, deveríamos mesmo assim, nos esforçarmos para chamar o Sr. Benedictus e ele prontamente viria pra acordar a pessoa (e mais a Aldeia inteira).
    Dizia-se pelos cantos da aldeia que o Sr. Benedictus era um guardião que ficava entre o reino da morte e da vida. E que por este motivo, era um homem feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz por que nunca adormecia e estava “sempre” atento, mas triste, por que a fartura de disposição e pensamentos eram-lhe por vezes agonizantes. Diziam até que o Sr. Benedictus podia ressuscitar uma pessoa do sono da morte se quisesse, mas, isso era mais uma “lenda” (mas bem que eu já senti vontade de pedir a ele pra trazer de volta um gato malhado por nome de Coalhada. Gostava dele por que eu andava com ele pelas vielas da aldeia e as garotas vinham bajulá-lo e eu aproveitava, mas, eu não podia me prestar ao papel de doente e pedir a um cara que nunca dorme, que toca uma trombeta velha que acorda a Via Láctea inteira pra ressuscitar um gato meu que tinha morrido).
    O Sr. Benedictus sorriu pra mim e disse;

- Vamos lá então pequeno Lucius! Afinal, o que será de nós se o sol não nascer mais não é mesmo?

    Eu e ele fomos correndo, e enquanto isso, imagine uma música dançante medieval como trilha sonora. Então, chegamos à minha casa.
    O azul do final do amanhecer cada vez mais era mais claro, e o Sr. Benedictus entrou na sala de visitas da minha casa, fechou os olhos como de costume, ergueu para o alto o Shofar e soou longamente o instrumento. Depois do longo toque que o deixara sem fôlego (seus pulmões não aguentavam muito mais), eu e ele olhávamos para a porta do quarto dos meus pais e não se ouvia barulho de maçaneta, nem tampouco ruídos internos. O Sr. Benedictus de repente olhou pra mim com uma cara de morte, como se falasse: “Não quero te enganar não meu amigo, mas isso tá com cara de óbito.” Eu fiquei impaciente. Comecei a lacrimejar pois meus pais não se manifestavam.
    Num ato desesperado, peguei da mão do Sr. Benedictus a trombeta, levei a boca e tentei tocar como ele (não se importando com o cheiro de carniça da saliva velha). Não saiu muita coisa além de um som parecendo um bode com asma. Eu ajoelhei chorando, amparado pelo Sr. Benedictus que pegou pacientemente a trombeta ancestral no chão jogada por mim. Foi nesse momento que a porta se abriu abruptamente e meus pais saíram, enrolados no lençol, sem dar importância nenhuma pra nós, e correndo muito rapidamente, subiram no telhado de nossa casa nos chamando depois para subir também e meu pai disse:

- Venham logo! Se o sol não nascer mais por causa de vocês dois eu mato vocês e uso suas peles para me aquecer do frio eterno.

    Olhei para o Sr. Benedictus que sorria para mim e corremos para o telhado, de onde quase que automaticamente já avistamos os primeiros raios de sol.
     Depois do nascer do sol e da efêmera euforia da Aldeia da Luz, fui pra escola, triste, chateado, pois era um martírio pra mim ir estudar.
     Eu não entendia as matérias e todos caçoavam de mim. Eu sabia das minhas limitações, mas também não precisava ninguém achar que precisava me fazer plenamente consciente disso o tempo inteiro! As meninas da sala nem olhavam pra mim, “O Burro!”, que nunca decorara a tabuada e nunca aprendera a fazer contas de dividir com mais de 2 números;  o menino cujas tarefas vinham borradas até depois de velho, que lia como um dislexo míope. Emfim, se eu não fosse a escola meus pais esquentavam minha bunda e ainda por cima me faziam trabalhar em casa. Parece que a criança pode fazer tudo de ruim, ser egoísta, ser calculista, bullinador, fumar droga e matar animais indefesos, mas se estiver na escola, está tudo bem!
    Apesar de tudo isso, eu me sentia especial. Sabia que tinha um potencial diferente, e que de alguma forma, todos um dia ouviriam falar de mim pela minha proeminência. Não era difícil qualquer um (que não fosse da Aldeia da Luz) perceber que aquilo não era pra mim. Eu sabia que eu tinha potencial e que eu não precisava de cadernos, livros e notas pra ser inteligentemente genial.  

    A sala era grande, branca e tinha uma luz central super brilhante que nunca se apagava. Em cima do quadro negro pintado na própria parede, havia um quadro com o que acreditava-se ser o retrato do Primeiro Iluminado, o Mestre Cláreo. À primeira vista, aquele ambiente parecia ser bastante celestial mesmo, mas quem acompanhasse de perto as aulas e as condutas dos professores, funcionários e alunos da única escola da Aldeia da Luz, - construída em seu ponto mais elevado -  abandonava essa impressão e enojava-se com certeza. A verdadeira sabedoria era suprimida pela busca desenfreada por resultados e notas. Ah! Não aguento mais sentir náusea.
    Naquele dia, por volta das 09:35 da manhã, uma coisa me chamou a atenção na montanha. Olhei pra ela tentando momentaneamente desviar meu olhar e minha mente da horripilante, tediosa e chatíssima aula de álgebra e avistei uma coisa incomum; uma ovelha! A princípio não esbocei tanta admiração pois, vai saber como e porque uma ovelha apareceu no monte. Tentei voltar minha atenção para a aula, mas aquilo era inquietante demais. Ninguém criava ovelhas na Aldeia da Luz, sendo este animal, somente parte do imaginário mitológico da Aldeia. E sendo eu burro, de onde tirei essa palavra? O caro amigo leitor entenderá.
    Eu pensei por um momento em chamar a professora e atentar à classe aquele fato, mas a Senhorita Lucinda era tão rígida que se eu a chamasse pra falar algo que não fosse essencialmente matemático eu correria sérios riscos físicos e sociológicos. Então perguntei a Luzia, minha coleguinha dentuça e magrela – a única que me dava atenção, talvez porque também fosse desprovida de inteligência (mas nada comparado a mim) – se ela estava vendo a ovelhinha na montanha olhando pra nós. Ela olhou pra mim e de sua boca escorreu um fio fino de saliva que ela sugou de volta, olhou pra montanha, olhou pra mim de novo e disse:

- Você além de burro é doido?

    Eu fiquei perplexo no momento. Quis socar a cara dela, mas não o fiz porque tinha esperança dela futuramente ficar bonita e quem sabe pegar ela. Percebendo eu que ela não avistava a ovelha, nem com a ajuda do meu braço apontando, resolvi tentar me convencer de que estava vendo uma miragem. Mas foi ineficaz. A ovelhinha ficava me encarando. Andava pra lá e pra cá na montanha, comia uns capinzinhos e tornava a ficar me encarando.
     Aquilo estava começando a ficar agonizante, pois eu via os meus coleguinhas olharem para a montanha, direcionarem o olhar pro mesmo lugar em que a ovelhinha estava e nem sinal de que estavam vendo alguma coisa. Foi neste momento que eu pensei: “Não pode ser verdade! Será que só eu estou vendo a ovelha?” Me belisquei pra ver se estava sonhando, esfreguei os olhos com veemente força, logo depois deles se desturvarem, a ovelha estava lá a me encarar, ruminando e espantando moscas com a orelha. Parecia que ela estava me chamando, querendo me dizer alguma coisa.
    Cheguei a um momento decisivo. Depois daquilo minha mente não repousava mais dentro daquela sala (mesmo em dias normais isso não acontecia). Então, resolvi revolucionariamente sair no meio da aula e ir na montanha! Eu tinha que ir atrás da ovelha!
    As lendas sobre a história da Aldeia nesse momento vieram com um turbilhão. Lembrei de Cláreo, lembrei da casinha da montanha, lembrei do segredo da sabedoria... Lembrei também da chacota constante sobre o meu nível intelectual, de toda a hipocrisia da escola e de todos os meus companheiros aldeões. Decidi que iria atrás da ovelha, no intuito de obter honra ou pelo menos satisfação pessoal e paz interior já que a minha imagem seria sempre a de um boçal mesmo. Deixei pra trás uma sala inteira e uma professora carrancuda bradando ameaças de reprovação e maledicências. Cheguei até o portão da escola e lá estava o porteiro totalmente distraído e distante do portão propriamente dito. Quando vi aquela cena, sem mais demora esbocei uma escapada fenomenal e silenciosa. Quando dei o primeiro passo da corrida, eis que uma mão grossa segurou o meu braço.

- LUCIUS! ONDE VOCÊ PENSA QUE VAI?!

- Eu vou atrás da ovelha na montanha Dona Luciane!

    Dona Luciane era a diretora da escola, que percebendo o escândalo da professora de Álgebra quando eu saí da sala, veio ver do que se tratava.

- Ovelha? Na montanha?

-Sim! Olha ela lá, me encarando!

    Apontei na direção de onde a ovelha “estava”. Ela, não enxergando nada, ficou mais enraivecida ainda, pensando que eu estava de abuso.

- GAROTO! Pare de ficar de historinha! Não tem nenhuma ovelha naquela montanha e você vai voltar pra sala agora!

- Mas Dona Luciane, eu não quero voltar pra sala, eu quero ir atrás da ovelha!

- E você insiste nessa brincadeira jocosa de que tem uma ovelha na montanha... Vai já pra sala garoto!

- Mas...

- “Mas...” nada! Vai agora pra sala e pare de ficar inventando coisas só pra não assistir a aula de álgebra. Já não basta tirar frequentemente zero, ainda tem que ficar matando aula? Ah, faça-me o favor!

    Eu, olhei pra ovelha, ela continuava a me encarar e desta vez parecia mais inquieta. Mas, percebi que, não teria jeito. Teria que voltar praquele inferno quadrado didático. Abaixei a cabeça e esbocei os primeiros penosos passos de volta para a sala. Foi quando de repente, como num passe de mágica, apareceu por trás de nós o Sr. Benedictus. E disse:

- Vim em nome dos pais de Lucius solicitar sua liberação do restante das aulas de hoje.

    Luciane virou-se e olhou o mítico homem por cima dos óculos, pegou um papel que ele segurava na mão, autorizando ele a me pegar na escola mais cedo com a assinatura dos meus pais. Eu percebi que a assinatura era falsa, mas só eu poderia perceber porque o ponto que meu pai colocava no final do seu primeiro nome “Lucélio” era normalmente mais longe do “o” mas, outra pessoa não perceberia. Logo, vi que Benedictus havia, por alguma razão, falsificado ela para me tirar da escola. Mesmo que o Sr. Benedictus não tivesse me libertado pra me permitir fazer o que eu estava pensando, me livrar da escola era minha necessidade primária naquele momento. Se fosse outro seu propósito (que não o de me permitir ir atrás da ovelha na montanha), eu me livraria facilmente das mãos do Sr. Benedictus que já era velho logo assim que dobrássemos a primeira viela saindo da escola e correria em direção a montanha.
   Luciane olhou pra mim, olhou para o Sr. Benedictus que a fitava incisivamente e me disse:

- Lucius, pode ir. Se seus pais estão autorizando e o estimado Sr. Benedictus o veio buscar, não há problema algum.

    Eu pulei de alegria por dentro! Fui ao encontro do Sr. Benedictus que sorria para mim, segurei sua mão e virei as costas e saí junto com ele da escola. Fomos dando alguns passos para longe da escola, na direção oposta à montanha. Eu, olhava para trás, para ver a ovelha, e comecei a esboçar a escapada das mãos do Sr. Benedictus. Quando ele afrouxou um pouco os dedos e eu já ia sair correndo, ele me disse:

- Preciso lhe contar uma coisa a respeito do que está vendo na montanha.

    Eu olhei pra ele e percebi como num estalo, que ele também estava vendo a ovelha. Eu num descarrego de euforia disse:

- Poxa Sr. Benedictus! Como estou feliz ao saber que não sou o único que consegue ver a ovelha na montanha!

- Mas eu não estou vendo Lucius!

    Me frustrei momentaneamente.

- Diz a profecia Lucius, que um dia, “O Escolhido” avistará a ovelha na montanha, e somente ele a enxergará. E neste dia, ele seguirá a ovelha, que indicará o caminho para a casa da montanha. Chegando lá ele abrirá a porta da casa que somente ele saberá abrir e se tornará sábio, se tornará o Segundo Iluminado porque terá acesso ao segredo confinado lá por nosso patriarca, o Primeiro Iluminado, o grande mestre Cláreo. E O Escolhido libertará o mundo da ignorância, estabelecendo um novo tempo de sabedoria sobre a Terra.

    Eu fiquei estarrecido com aquela história! Não podia ser. Eu? “O Burro!”? Não podia ser. Fiquei a princípio desconfiado e perguntei ao Sr. Benedictus;

- Como eu nunca soube desta profecia? Como ela não está presente na Cartilha do Aldeão (era um livro que todos tinham que escrever a mão e depois encapá-lo para si próprio que continha todas as nossas lendas e histórias mitológicas) sendo um dos princípios da Aldeia da Luz, todo aldeão saber de cor todas as nossas lendas, histórias e mitologia?

- É simples Lucius. Essa profecia nunca poderia ser contada, pois todos a distorceriam, e possivelmente fariam muita chacota com a história, enganando os outros com falsas ovelhas de pano na montanha, e quem sabe comprando ovelhas de lugares distantes para colocar na montanha para profanar a profecia sagrada da Revelação do Segredo da Sabedoria. Por isso ela foi confidenciada somente a mim, Benedictus, pelo próprio Primeiro Iluminado, que me fez jurar por toda a luz que existe que não contaria essa profecia a ninguém, e mais ainda, que seria responsável por perceber e observar quando aconteceria o despertamento dO Escolhido e elucida-lo à respeito desse fato. Por este motivo, e só por este, eu nunca durmo! Eu tinha que estar atento e perceber o dia que alguém avistasse uma ovelha na montanha. E este dia chegou, eu reparei desde quando você começou a olhar para a montanha. Eu todos os dias observo os alunos da escola para ver se algum deles está avistando algo que os outros não vêem na montanha. O mestre Cláreo me disse que O Escolhido poderia sair de lá. Eu vi quando você mostrou à pequena Luzia algo na montanha e ela fez como que não estava vendo nada. Olhei para a montanha e não vi nada também, mas não pude deixar de perceber que você estava vendo algo que ninguém mais estava vendo no Monte Lucem. Quando te vi relatando o que estava vendo na montanha à senhorita Luciane, tive certeza de que eu tinha achado o escolhido. Corri pra minha cabana, falsifiquei aquela autorização e te libertei da escola, pra você não perder mais tempo nenhum e ir atrás da ovelha que você está vendo e seguir o seu destino! Vamos pequeno Lucius, vá, suba o monte e cumpra a profecia. Eu me comprazo em você. Vá agora!

    Eu, totalmente perplexo com aquela história, atônito ao perceber que tudo tinha muita coerência e que tudo agora fazia sentido, percebi que mesmo em minha ignorância eu tinha sido mesmo escolhido, já que realmente só eu via a ovelha e ainda tinha a bênção e a confirmação do Sr. Benedictus, o homem mais respeitado (e ao mesmo tempo zoado) da Aldeia.  Resolvi ir correndo para a montanha e cumprir o meu destino! Como eu estava feliz, e minhas forças apoderaram-se totalmente de mim naquele instante. Antes de começar a difícil escalada do Monte Lucem, disse ao Sr. Benedictus:

- Muito obrigado, Oh grande guardião da profecia suprema! Estarei feliz em lhe conceder muita graça logo depois que me tornar o maior sábio do mundo ao entrar na casa da montanha.

Ele agradeceu emocionado e me abraçou dizendo; 

- Tenho anos e anos de sono acumulado, mas ainda posso esperar pra ver o menino Lucius descer do monte transformado no grande sábio libertador da Terra do império da ignorância!

 As palavras maravilhosas do velho Benedictus foram pra mim um poderoso combustível e eu saí em disparada à montanha, olhando firmemente para a ovelha que já estava começando a subi-la e olhar pra mim alternadamente. Comecei a árdua escalada do Monte Lucem. Perseguia a ovelha, que subia a me indicar o caminho. Eu caía, escorregava, me machucava, mas não me importava, pois estava indo em direção à casa que continha o segredo da sabedoria! Eu naquele momento também já pensava no fim iminente de toda zombaria em cima de mim e de meu intelecto. Eles não fariam mais isso com o Grande Sábio Lucius! A ovelha ia me mostrando o caminho passando pelas pedras menos escorregadias e menos íngremes.
    A tarde já ia caindo e logo sobreveio a noite, negra noite. Eu não avistava mais a ovelha há um tempo. Fiquei desolado, com medo e atordoado. A ovelha sumira, eu não a via mais. Foi quando dei mais uns três passos para frente com máximo cuidado, pois não enxergava nada, e vi as luzes da aldeia lá em baixo. Entendi que onde eu estava era possivelmente o cume do monte. Foi quando de repente escutei um “BÉÉÉHHR!!” atrás de mim. Virei-me vagarosamente e vi, uma casinha totalmente iluminada por uma luz incandescente e em cima da casinha a ovelha, agora também iluminada! Eu pensei: “Oh! Que alegria! Encontrei a casa, ela é mesmo verídica!” Fui em direção a ela e a ovelha pulou por cima de mim e no ar transformou-se numa chave que caiu na minha mão. Eu agora, chegando perto da casa, fui envolto pela luz que emanava dela, e minhas vestes foram se transformando em brancas com listras douradas. Eu, cada vez mais estarrecido com aquela coisa fantástica, me dei por mim que era mesmo de fato O Escolhido. Não restava mais nenhuma dúvida! Eu não mais temia toda aquela cena espetacular. Eu guiei a chave que outrora era uma ovelha até a fechadura e escrito em Latim na chave estava; “LUMEN SCIENTIAE PARARI” (coloquei no tradutor do Google e depois ele me disse que isso significa: “Prepara-te para a luz do conhecimento."). Abri a porta da casa e lá dentro havia um altar infinitamente mais iluminado do que a própria casa em si. E em cima desse altar, cujo material não era nem identificável tamanha luminescência extraordinária! E flutuando em cima dele, um envelope de um papel branco reluzente com detalhes em dourado cujo brilho intermitia e fluía caudalosamente. Outros veios de luz saíam dele como se fosse ele o núcleo gerador de luz da casa e de todo o universo!
    Peguei o envelope e meus olhos doíam um pouco, mas, mais luz me envolveu e pareceu dar resistência aos meus olhos. Senti um poder no meu corpo incontrolável! Senti vontade de fazer como num filme desses de Hollywood e abrir os braços e explodir a casa e jogar um feixe de luz infinito no céu que rasgasse quinze galáxias ao meio. Foi o que eu fiz! Agora eu segurava o envelope para o céu que projetava uma luz que parecia cortar todo o universo! Ventos, raios, trovões, pedras da montanha voando em volta de mim! E eu, ante tudo aquilo, abri o envelope e um clarão quase me cegou, e a noite se transformou em dia naquele lugar tamanha luminescência irradiada do bilhete. E estava escrito neste bilhete uma frase transformadora e transcendental que mudou para sempre a história do meu viver! Com caligrafia angelical, no bilhete estava escrito assim;

“VÁ ESTUDAR!”