Cedo, eu diria, pra estar num bar numa noite tão quente. Essa minha gente é mesmo meio doida. Mas não importa a hora. Se é seis e meia da tarde ou três da madruga, a loucura é sempre a mesma. E no Bar do Leônidas tinha gente tão ou mais doida que a minha galera o dia inteiro. Era um estabelecimento que não se enquadrava no estereótipo "lugar badalado da madrugada". As mesmas coisas que se vêem na Lapa depois da meia-noite, se viam lá ao meio-dia. E estávamos nós lá, depois de uma tarde virtuosa de aulas e mais aulas, com o objetivo de relaxar, beber um bocado, falar mal dos outros e contar vantagens. Como de costume, juntamos duas mesas, sem a ajuda de nenhum garçom pois os mesmos estavam sempre ocupados, rejeitando o máximo possível de tarefas que não as de servir de fato, devido ao altíssimo sobrecarregamento de mesas e clientes que tinham que atender. Nesse ponto, o Leônidas, uruguaio de olhos vermelhos, cabelos brancos e bigode farto era cruel com eles, apesar de ser muito bondoso e até meio bobo enquanto patrão. Mas ele limitava-se a ficar fazendo graça com todo e qualquer acontecimento no seu bar, quando muito, atendendo algum vendedor enquanto ficava no caixa.
Estávamos sentados fazia uns cinco minutos e ninguém falava muita coisa, só alguma coisa da aula, ou apontando os excessos de outro grupo que estava no bar. Até que Jairo resolveu tentar quebrar o gelo e falar:
- Gente, a Lucinda, nossa professora de filosofia, diz que tem trinta e cinco anos, mas ela não me engana não! Com aquelas rugas maracujentas e aquela pelanca do braço na hora do tchau, ela deve ser mais velha que o jabuti de Darwin!
Jairo era do tipo que falava coisas hilárias sem contexto algum. Um verdadeiro cômico. Inoportuno, mas não deixava de o ser. Todos riram do comentário de Jairo e confirmaram a hipótese. Manuela disse:
- Ela foi quem descobriu o jabuti e comunicou Darwin!
Mariano falou:
- Ela morava em Galápagos na época há muito tempo já! HAHAHAHA
Mariano era sempre o que mais ria. Tinha aquele riso fácil e caudaloso, mais engraçado que qualquer coisa engraçada. Sempre achei que pessoas assim se dão melhor na vida. Por isso eu apostava que dentre nós, do clube dos universitários descompenetrados, ele seria o mais bem-sucedido. Ele ria, mas ao mesmo tempo me fitava, interrompia rapidamente a graça e voltava a rir exageradamente, tremendo o corpo inteiro, dando tapas na mesa e babando. Mas ele parou com os excessos, e apesar de ainda estar com expressão de graça no rosto, me perguntou:
- Que foi Ronaldo? rsrsrsrs (ria-se um pouco ainda) porque tá sério?!
Eu, de fato estava sério, por um motivo; não sabia o que era um jabuti. Estava vendo todos rirem, com o comentário de Jairo, mas, como rir?! Eu não fazia idéia do que era um jabuti! E aí então, eu resolvi perguntar inocentemente:
- Galera, o que é um "jabuti"?
Um silêncio estranho formou-se entre eles. E eu, me dando conta de que ia ser zoado, já estava num curtíssimo espaço de tempo/compreensão me sentindo desconfortável. Foi aí que de repente, puxados por Mariano, todos deram uma gargalhada que aparentava ter sido ensaiada por vinte anos todos os dias, só pra ser dada ali naquele momento. Eu fiquei olhando pra todos, sem entender o motivo da graça, me esforçando pra levar na esportiva também. Quando, depois de uns quarenta segundos, diminuiu-se um pouco a risalhada, eu olhei pra Mariano e falei:
- Mas cara, é sério. O que é um Jabuti? Me diz aí você Mariano!
Mariano falou:
- Cara, um jabuti é uma planta carnívora natural da Antártida, muito usada como afrodisíaco por aí.
Eu falei na mais pura inocência:
- Então Darwin tinha essa linha de pesquisas sexuais?
Todos riram mais ainda. Jairo disse:
- É mentira do Mariano Ronaldo. hahahaha (meio rindo, meio sério) Um jabuti é uma fruta muito gostosa que inclusive tem um pé na casa da minha vó.
Manuela falou:
É verdade Ronaldo! Você nunca comeu doce de jabuti não?
Respondi:
-Eu não. (virei-me pra Jairo) Po! Se eu pedir sua vó ela faz um pouco de doce de jabuti pra mim?
E mais uma vez todos riram, até não se aguentarem, e eu percebi que nem de longe um jabuti era uma fruta. Eu levantei enraivecido, e bradei eloquentemente aos meus colegas:
- Será que é tão difícil alguém me dizer SEM sacanagem, o que é um jabuti?
Todos do bar me olharam essa hora, eu fiquei com vergonha, e sentei de novo, pedindo desculpas de maneira caricata à todos, e depois encurvando a cabeça. Todos riram, um pouco menos veementemente do que meus amigos e Manuela falou-me "amigavelmente":
- Porque você não vai perguntar ao Leônidas? Ele saberá te dizer o que é um jabuti.
Eu estava indignado com o fato de meus amigos não terem me levado à sério. Poderia ficar ali apresentando essa minha queixa pra eles, mas a dúvida que ainda persistia, era tão mais forte que isso, que eu resolvi ir lá perguntar ao descontraído Leônidas que farreava com uma representante comercial de bebidas, "o que" de fato era um jabuti.
Cheguei um pouco tímido. Percebi que eles falavam um assunto nada importante, pedi licença, e falei:
- Seu Leônidas, por gentileza, o senhor poderia me dizer o que é um jabuti?
Ele olhou para a vendedora com o mesmo olhar de espanto que meus colegas, quando os perguntei a primeira vez. Meus colegas observavam de longe, cochichavam e riam olhando pra mim. Não liguei, pois sabia que Seu Leônidas era gente boníssima e não ia me sacanear. Daí ele disse com seu sotaque hispânico já gasto pelos anos de influência brasileira:
- Garoto, uno jabuti és quando alguien lhe pede pra butar algo en determinado lugar, so que você já butou. Aí usted diz; "jabuti!"
O velho Leônidas e a vendedora riram tanto disso, em tom de tamanha chocarrice, que eu não tive outra reação a não ser a de abaixar a cabeça. E sem que eu percebesse, todos do bar haviam prestado atenção no meu diálogo com Leônidas e a vendedora e todos riam de mim também. Era o fim da picada! Todos riam do jabuti e eu queria achar graça também. Mas todos achavam mais graça ainda do fato de eu não saber o que era um jabuti e parece que queriam me conservar na ignorância somente pra me terem como objeto de graça. Isso era inaceitável! Eu resolvi, sem dar tchau a ninguém, ir embora, e sem pagar minha parte! Eles que pagassem. Estavam me achincalhando.
Estava triste por tudo aquilo, mas a dúvida ainda era maior do que a tristeza. E de repente, somado à isto, me sobreveio uma ansiedade muito grande. Eu imaginava mais ou menos o que era um jabuti. Pensei que pudesse ser uma árvore, um veículo de transporte, uma ferramenta de mão ou até mesmo um dinossauro pré-histórico. Meu ser sorria quando eu imaginava o momento que eu descobriria o que era na verdade um jabuti. Resolvi consultar um dicionário online, usando a internet do celular. Estava num bom lugar, o sinal era forte e não foi difícil pesquisar. Logo apareceu o link que salvaria meu dia! Quando eu toquei na tela, e começou a carregar, me apareceu um danado de um trombadinha e me levou o celular, e saiu correndo numa velocidade tão grande, que não deu tempo nem de processar direito o fato ocorrido. Quando me dei realmente conta de que tinha sido roubado, o meliante já estava muito longe e totalmente camuflado na selva de pedra. Naquele momento eu percebi uma coisa; A ignorância é uma bênção pra alguns. Tentar procurar o conhecimento, em determinados casos só nos traz azar. Realmente, eu não poderia ter acesso a essa informação. E então, num dia mal, sozinho na rua, resolvi parar com minha busca e aceitar o fato de que eu nunca poderia saber o que era um jabuti. E caminhando pra casa, desolado, com o olhar vago, passando por um descampado meio recantado que ficava próximo à minha residência, pisei sem querer n'algumas pedras. Foi neste momento que escutei um:
-Ai!
Eu dei mais uns três passos levantando as sobrancelhas e parei. Virei a cabeça vagarosamente pra trás e olhei pras pedras em que eu tinha pisado. Uma delas estava se mexendo. E de repente projetou pra fora de uma cavidade duas perninhas e uma cabeça comprida e me disse:
- Ronaldo! Sua busca termina aqui! Eu bem sei que você está há bastante tempo querendo saber o que é um jabuti. Todos caçoaram de você e não te levaram a sério. Você foi roubado, perdeu seu celular caro por conta da sua dúvida, e eis que o esclarecimento está sobre a sua frente. Eu não sou uma pedra falante, sou um jabuti! Um réptil da ordem dos quelônios. Um animal muito agradável pra se ter em casa, e infelizmente muito apreciado como prato típico no interior do Brasil. E então, se sente melhor agora que sabe o que é um jabuti?
Era bem verdade que aquele tinha sido o fato mais estranho do meu dia. Depois de ter sido esculachado pelos meus colegas da faculdade, pelo dono do bar que eu frequentava e ter sido roubado, aquilo realmente não me parecia ser boa coisa. Resolvi me libertar da ingenuidade e falar praquele ser cascudo que carregava a própria casa nas costas:
- Cala a boca seu animal inútil! Eu posso ser zoado pelos meus colegas, pelo dono do bar, pela vendedora e pelo ladrão que provavelmente deve ter deduzido que o dono do celular não sabia o que era um jabuti. Agora, ser zoado mais uma vez, no fim do dia, por você não! Posso ser burro, mas não sou idiota. Prefiro permanecer minha vida inteira sem saber o que é um jabuti do que acreditar numa lorota contada por uma tartaruga!