segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Robério e o homem-sem-cabeça

       A lata de cerveja caiu no chão e Robério segurava a borracha tremulamente. A mulher dele gritara lá de dentro; "Anda logo com essa calçada fio duma égua! To precisano dá banho no cachorro!" Porém, todo barulho e estardalhaço paralelo do mundo naquele momento não era palho pra desviar a atenção do fato mais estranho do dia; de repente, na hora mais mágica da tarde, no refrão do forró, no clímax de "Malhação", eis que surge no céu uma figura um tanto incomum; de repente pousa em frente a calçada que Robério estava limpando - a saber a calçada de sua própria casa - um homem sem cabeça a bordo de uma vassoura. "Um homem sem cabeça a bordo de uma vassoura"? Sim! Um homem sem cabeça a bordo de uma vassoura! Robério também se questionou da mesma forma para acreditar de verdade.
          O tal ser descabeçado desceu da vassoura que pairava no ar e disse:

- Tenho que mandar para a revisão mas dá pra voar ainda...

Robério assustado com a alta carga de falta de nexo retrucou:

- Como uma vassoura fala sem corpo numa cabeça?

- O que disse nobre cidadão?

          O cavalheiro da vassoura perguntou.

- Quero dizer.. Ééé.. Como uma cabeça fala sem vassoura num corpo?

- Presumo que na verdade você deve estar indagando-se de como meu corpo, ou melhor, "eu" falo sem cabeça, não é isso caro amigo?

-Sim, desculpe. Eu me embaralhei todo. Acho que é porque bebi demasiado e..

- De fato você bebeu tanto que consigo sentir seu bafo secador de mato de longe. Mas o que está testemunhando é real. Não é uma alucinação, nem efeito de seu etilismo exagerado.

- Hei, quem é você pra dizer o quanto eu devo beber ou não?! Acho que você está com inveja porque queria beber também mas "não está com cabeça pra isso". HAHAHAHAHA! 

 - De modo que eu não bebo Robério, não porque não tenho cabeça. Você não tem dinheiro mas vive gastando por aí! Tem gente que não tem mais pulmão e fuma, não tem mais joelho e joga bola. O impulso não é orgânico nem fisiológico. 

- Você fala muito difícil.

- Oh, me desculpe caro Robério, é que eu estava voando sobre este bairro e lá de cima senti compaixão de você.

    Robério até então estava tentando ser amistoso, mesmo estando impressionado com o ser fantástico à sua frente, mas ele se sentiu diminuído quando o homem sem cabeça disse que sentia compaixão dele. Ora essa! Robério é que deveria ter compaixão de uma pessoa que não tinha cabeça. 

- Compaixão de mim? Rapaz.. eu não tenho mais medo de você hein! Te quebro aqui agora mesmo, pego essa tua vassoura de mercearia e quebro na sua cab... - Robério caiu em si - [...] e... te quebro todo! Você já conseguiu me irritar, e olha que não sou impaciente. Olha só o que acontece nesse bairro! Tem pessoas de bem aqui cara, senhoras religiosas e distintas, famílias tradicionais, crianças brincando na pracinha... Como é que você, uma pessoa sem cabeça, sai voando por aí com uma vassoura e resolve pousar logo aqui neste bairro tradicional nessa hora? 

- Sei que responder com perguntas é desleal mas mesmo assim responda-me Robério; Como é que você um homem com cabeça e sem a ajuda de uma vassoura tem a coragem de gastar água a tarde inteira somente pra lavar dois metros de calçada?

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